domingo, 15 de maio de 2011

O Princípio da Simplificação da Estrutura dos Meios Processuais

1. Introdução

Como é sabido, qualquer ramo de Direito se rege por diversos princípios que o enformam e o moldam. O Direito Administrativo, em geral, e o Contencioso Administrativo, em especial, não são excepção. No ordenamento jurídico português encontramos os princípios gerais do Contencioso Administrativo na Constituição (CRP), no Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e no Código do Procedimento Administrativo (CPA).
O princípio que pode ser apelidado de primo inter pares é o princípio do acesso à justiça consagrado nos artigos 268.º, n.º 4 CRP e 12.º CPA. Destes preceitos e da sua leitura conjugada com as disposições do CPTA (pense-se, por exemplo, no seu artigo 51.º, n.º 1), retira-se que este princípio consagra o acesso imediato aos tribunais administrativos (à justiça), sem necessidade de prévia interposição de qualquer recurso administrativo. Por outro lado, encontramos ainda como princípios gerais do contencioso administrativo os princípios da tutela jurisdicional efectiva (artigo 2.º CPTA), da jurisdição plena dos tribunais administrativos (artigo 3.º CPTA), da equiparação da tutela dos direitos à dos interesses legalmente protegidos, dos amplos poderes de pronúncia dos tribunais, da livre cumulação de pedidos (artigo 4.º CPTA), da igualdade das partes (artigo 6.º CPTA) e da promoção do processo (artigo 7.º CPTA).
Todos eles têm a sua importância singular mas, como sintetiza Luís Cabral de Moncada, “No âmbito do contencioso administrativo, os princípios referidos são consequência dos princípios gerais de direito. Não têm alcance meramente sistematizador. O mais importante deles é seguramente o referido princípio constitucional (e legislativo) da tutela jurisdicional efectiva do qual os outros são corolários. Apoio para esta visão das coisas retira-se do próprio n.º 4 do art. 268 da CRP que considera que aquele princípio geral inclui outros princípios mais específicos, nomeadamente, o reconhecimento dos direitos ou interesses legalmente protegidos, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”[1].

Ao lado dos princípios formalmente consagrados no CPTA, e adoptando o entendimento de Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, encontramos outros princípios que podem ser extraídos do texto deste diploma legal e que presidiram, aliás, à Reforma do Contencioso Administrativo de 2002. Referimo-nos, assim, tanto ao princípio da simplificação da estrutura dos meios processuais – que aqui analisaremos –, como ao princípio da flexibilidade do objecto do processo e ao princípio da agilização processual.[2]
Passemos, então, à análise do princípio que é objecto deste comentário e que nos levará a aflorar alguns aspectos sobre a tramitação dos processos do contencioso administrativo.

2. O Princípio da Simplificação da Estrutura dos Meios Processuais no CPTA

                De acordo com a Exposição de Motivos do CPTA, a evolução do contencioso administrativo (nomeadamente o abandono do modelo tradicional de contencioso administrativo que se impunha) e a voz da doutrina aconselhavam já há muito que as vias de acesso à justiça administrativa se centrassem nas formas de processo e nos modelos de tramitação que seguem os processos de contencioso administrativo.[3] Assim sendo, ficou estabelecido que estes deveriam seguir um de dois modelos de tramitação: a tramitação “comum” e a tramitação “especial”. “Adoptado, pois, o critério das formas de processo como parâmetro estrutural, é a propósito de cada forma de processo que se faz referência aos tipos de pretensões que podem ser accionadas no contencioso administrativo, regulando os aspectos específicos que a respeito de cada um deles cumpre definir.”[4] Encontramos, então, dois modelos principais de tramitação dos processos – a acção administrativa comum (Título II do CPTA) e a acção administrativa especial (Título III do CPTA) – e um conjunto de processos urgentes que seguem uma tramitação própria caracterizada pela sua celeridade. Importa, assim, caracterizar muito sumariamente cada um destes modelos.
               
                A acção administrativa comum, de que se ocupam os artigos 37.º a 45.º CPTA, encarrega-se dos “processos que tenham por objecto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial”[5]. De referir é também que o elenco do n.º 2 do artigo 37.º CPTA é meramente exemplificativo e, portanto, nada que outras pretensões sejam deduzidas utilizando a acção administrativa comum desde que, claro, se encontrem preenchidas as exigências do n.º 1 do mesmo preceito.
                Em segundo lugar, a acção administrativa especial, prevista nos artigos 46.º a 96.º CPTA, tem um grande âmbito de aplicação, permitindo a formulação de uma grande variedade de pedidos. No fundo, e de acordo com o artigo 46.º, n.º 2 CPTA, há quatro modalidades de pedidos principais que podem ser formulados: a anulação de um acto administrativo ou a declaração da sua inexistência; a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido; a declaração de ilegalidade de normas regulamentares ilegais; e a declaração de ilegalidade pela não emissão de regulamentos. Apesar de se poder apontar críticas a esta heterogeneidade de pedidos, “Cada tipo de pretensão tem a sua natureza própria e o seu próprio regime substantivo (…) e a dedução de cada tipo de pretensão obedece a requisitos específicos (…) Contudo, nada disto compromete o sentido da opção de se submeter a uma mesma forma de processo a tramitação de pretensões que, sendo embora heterogéneas do ponto de vista substantivo, se entendeu que, do ponto de vista da tramitação processual, tinham traços comuns pelo facto de se reportarem à prática ou à omissão de normas ou de actos administrativos.”[6]
Por fim, os processos urgentes, de que tratam os artigos 97.º a 111.º CPTA, dando voz à aspiração constitucional do artigo 268.º, n.º 4 CRP de ampliar a tutela cautelar, alargam a tutela principal aos processos urgentes. O Título IV que contém estes processos assenta numa estrutura bipartida que se divide em impugnações urgentes – segue-se o processo impugnatório comum com adaptações – e intimações – que tanto se podem dirigir à realização de operações materiais por parte da Administração ou à prática de actos administrativos. É de salientar, porém, que no CPTA apenas se estabelece o regime dos principais processos urgentes do contencioso administrativo, nada obstando à existência de outros processos urgentes consagrados em lei especial.

                Enfim, e em conclusão, pode dizer-se que o princípio da simplificação da estrutura dos meios processuais traduz, em suma, o desejo do legislador de ultrapassar o modelo tradicional de contencioso administrativo que reenviava artificialmente os diferentes tipos de pretensões para meios processuais sem forma de processo própria que os diferenciasse, para acolher agora um modelo que reconduz as diferentes pretensões a formas de processo efectivamente diferentes e operantes e que, consequentemente, se caracterizam por ter uma tramitação própria e diferenciada das demais.[7]

Raquel Maia Arêde (N.º 17512)
4.º Ano, Subturma 6


[1] Cabral de Moncada, Luís, Introdução. Os Princípios Gerais de Direito Administrativo. Seu Conteúdo, Tipologia e Alcance (in Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral). Coimbra, 2010, p. 712-713.
[2] Freitas do Amaral, Diogo e Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo. Coimbra: Almedina, 2004 (3.ª edição), pp. 84-116.
[3] Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa. Coimbra: Almedina, 2000 (3.ª edição), pp. 173-174.
[4] Exposição de Motivos do CPTA.
[5] Artigo 37.º do CPTA.
[6] Freitas do Amaral, Diogo e Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas…, p. 98.
[7] Freitas do Amaral, Diogo e Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas…, pp. 86-88.

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