quarta-feira, 18 de maio de 2011

Contestação

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
Acção Administrativa Especial
Processo n.º 281/08.1 BELSB






EXMO. SENHOR
DR. JUIZ  DO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA




MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO, com sede
na Rua da Horta Seca, 1200- 221, Lisboa, E
MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA, com sede na Avenida do
Infante D. Henrique, n.º1 , 1149-009, Lisboa, E
MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E
COMUNICAÇÕES, com sede na Rua de São Mamede (ao
Caldas) n.º21, 1149 – 050, Lisboa, vêm apresentar a sua CONTESTAÇÃO, nos seguintes termos:



1.º

Da petição do AUTOR, resulta a cumulação de vários pedidos, a saber:
Condenação a restituir as quantias ilegalmente subtraídas ao vencimento do A. juntamente com os retroactivos, recriando a situação actual hipotética de forma a atribuir e processar os vencimentos e abonos do A. em conformidade com o quadro normativo legal vigorante em Abril de 2011e ainda a condenação a não prolatar acto administrativo de atribuição e processamento dos vencimentos e abonos do A. com fundamento no Decreto-lei n.º 123/11, de 13 de Abril de 2011 e em todos os meses subsequentes, como também a condenação à prática do acto de suspensão das obras do novo aeroporto de Lisboa.



I. POR EXCEPÇÃO

               A) Incompetência do tribunal



O tribunal indicado na petição inicial de A. foi o Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto mas de acordo com o artigo 16º do C.P.T.A (Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro), os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor. O tribunal competente será o de Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sendo o processo remetido ao tribunal administrativo competente de acordo com os artigos 1º e 14º do C.P.T.A e 494º a) e 111º nº3 do Código Processo Civil.
A competência é do tribunal administrativo do círculo como decorre do artigo 44º da E.T.A.F.( Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais- Lei nº13/2002 de 19 de Fevereiro)



              B) Ilegitimidade passiva  


Como decorre dos artigos 57º, 78º nº2, alínea f) e 89º nº1, alínea f) do CPTA, a petição inicial deverá indicar o nome e a residência dos eventuais contra-interessados sob pena de obstar ao prosseguimento do processo, facto que A. não deduziu.



            C) Ilegitimidade activa


De acordo com os artigos 9º e 55º do CPTA e 494º alínea e) do Código de Processo Civil, tem legitimidade activa quem tiver interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Nos termos do pedido de condenação à prática do acto de suspensão das obras do novo aeroporto de Lisboa consideramos que A. não tem interesse directo na demanda, pois não é parte na relação material controvertida e não lhe advém nenhuma lesão directa pela construção do aeroporto de Lisboa.




Mesmo que considerando o A. como indirectamente interessado não estamos perante a violação de um bem jurídico protegido nos termos do artigo 9º nº 2 do C.P.T.A. consequentemente não há motivo para formular o pedido. Deste modo existe uma cumulação ilegal por falta de legitimidade em relação a um dos pedidos.




II- Quanto à matéria de facto:



O A. vem invocar que no dia 13 de Abril de 2011 o Governo acordou com o Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e com a Comissão da União Europeia um pacote de medidas extraordinárias e de especial austeridade que seriam pressupostos para a ajuda financeira e que o Decreto-lei n.º 123/11, de 13 de Abril de 2011, publicado no “Diário da Assembleia da República”, II SérieA, nº 17, de 13/Abril/2011, daria corpo a essas medidas, sendo que o artigo 3.º do presente Decreto, determina uma redução de dez por cento do vencimento ilíquido dos trabalhadores do sector público.


A Lei de Orçamento de Estado, em vigor desde 1 Janeiro de 2011, já prevê esta redução, como decorre do documento 1 em anexo.




O A. vem invocar que o Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações não emitiu o acto de suspensão das grandes obras públicas, nomeadamente da construção do novo aeroporto de Lisboa. Este ponto é inválido e incorrecto, uma vez que tal facto ocorreu, como decorre do documento 2 em anexo.




III-Quanto à matéria de direito:




A Constituição da República Portuguesa prevê que compete à Assembleia da República aprovar o Orçamento de Estado (Lei n.º 55-A/2010), sob proposta do Governo, nos termos da alínea g) do artigo 161º.



O artigo 199º alínea b) da Constituição da República Portuguesa refere que, compete ao governo, no exercício das suas funções administrativas, fazer executar o Orçamento de Estado.


10º

A Lei do Orçamento de Estado entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011, tendo sido aprovada em 26 de Novembro de 2010 e promulgada em 30 de Dezembro de 2010, como decorre do artigo 187º da referida lei.


11º

O art. 3.º do Decreto – lei n.º 123/11, de 13 de Abril de 2011, determina uma redução do vencimento ilíquido dos trabalhadores do sector público entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até  € 4165;



12º

Decorria já da Lei do Orçamento de Estado de 2011, sob a epígrafe Redução remuneratória, previsto no artigo 19º nº 1 alínea b), a redução entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;

13º

Da Constituição Portuguesa decorrem vários direitos fundamentais. O artigo 59º nº1 alínea a), invoca uma justa remuneração do trabalho de forma a garantir um existência condigna e assegurar condições de vida individuais e familiares.

14º

Uma remuneração de 1800€ ao mês não põe em causa a dignidade da pessoa humana.

15º

Tanto o Decreto – lei n.º 123/11, de 13 de Abril de 2011 como a Lei de Orçamento de Estado são leis de carácter geral e abstracto e, tal como refere o artigo 59º nº1 alínea a) da Constituição Portuguesa, para trabalho igual salário igual, sendo portanto a lei aplicada a todos os trabalhadores nestas mesmas condições.


16º

O artigo 59º número 2 alínea a) da Constituição da República Portuguesa dispõe que o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional tem em conta factores como: as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento.

17º

Este preceito traduz um princípio de suficiência mínima, o que significa que a retribuição não deve descer abaixo de um nível considerado necessário para a sobrevivência do trabalhador e da sua família, o que se traduz no salário mínimo.


18º

Tal como referido no ponto 16º, se até para actualizar o salário mínimo nacional é necessário ter em conta a conjuntura económica do país, deve-se considerar justificável que salários mais elevados possam ser reduzidos em prol do interesse público superior.


19º

É de realçar que só estão em causa salários acima de 1500€.



20º

Dado que não se considera que esteja em causa uma violação do artigo 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais, apesar de existir uma redução salarial, não é colocada em causa a existência condigna para o A. e a sua família.


21º

Factores como alimentação, vestuário e alojamento não são postos em causa, uma vez que aufere um rendimento muito superior ao salário mínimo nacional.


22º

Assim, pedimos prova de que estes elementos possam estar em causa com a redução salarial.
  

23º

O A. é detentor de títulos de dívida pública no valor de trinta mil euros (€ 30.000) e, por decorrência do mesmo, é credor do Estado Português obtendo por esse meio outra fonte de rendimento lucrativa.


24º

O A. com o salário que auferia e com o que passa a receber, não põe em causa a “melhoria das suas condições de vida e de trabalho dos trabalhadores”, conforme consta do Tratado de Lisboa, porque apesar de uma redução de 200€ continua a ter um rendimento superior à média, que lhe permite um elevado bem-estar social.


25º

Observa-se que não houve violação do referido Pacto e da Constituição, como tal não se pode concluir pela inconstitucionalidade material.


26º

Tendo em consideração a opinião do Professor Jorge Miranda, Constitucionalista e com grande domínio nesta matéria, opinião essa que fundamentou um Parecer (ainda não publicado), e que tem por base dois princípios: o da protecção da confiança, e o do princípio da igualdade.

27º

Em relação ao primeiro princípio entende que, numa conjuntura económico-financeira que se arrasta já há bastante tempo, as pessoas não podem ter a expectativa de manter o mesmo nível salarial que tinham num certo tempo, se, perante a crise, for preciso tomar medidas que levem a esta compreensão estas devem ser implementadas e aceites.

28º

Quanto ao princípio da igualdade: aqui está em causa o facto de este corte só ter sido feito no sector público e não no privado e que numa economia de mercado, em que há um sector que não depende do Estado, o Estado não pode impor esse corte às empresas privadas, pois só o pode fazer aos seus servidores.

29º

Entende ainda que, no plano jurídico, tal redução só é válida para este ano, pois é uma medida inserida no Orçamento de Estado em vigor e que, quando for a altura de aprovação de um novo Orçamento, o governo que estiver em funções na altura decidirá se pretende manter ou não tal medida.

30º

Tendo os factos atrás descritos, concluiu que a redução de 3,5 a 10% dos salários acima de 1500 euros durante o ano de 2011 não fere o texto constitucional.


31º

Assim, o corte salarial não viola a Constituição Portuguesa, pois visa prosseguir um interesse público inquestionável e respeita os princípios da proporcionalidade e da progressividade.


32º

Tendo em conta o disposto no ponto 46 da petição inicial apresentada por A., no que toca à invocação do artigo 1º da Constituição consideramos que a redução salarial não colide com a dignidade da pessoa humana, nem está em causa o bem-estar e a qualidade de vida do povo (artigo 9º alínea d)), dado que a redução salarial só é aplicável aos salários acima de 1500€.


33º

Em relação ao artigo 81º alínea a), considera-se que a promoção por parte do Estado do aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas passa também por distribuir riqueza e recursos e não fomentar as desigualdades.


 34º

Não se percebe a referência ao Estado de Sítio e de Emergência no ponto 49 da petição inicial apresentada por A., uma vez que as reduções salariais não ocorrem apenas nestes casos, mas quando a conjuntura Económico-Financeira o obriga.


35º

A redução salarial é uma das medidas que mais facilmente permitirá atingir os objectivos propostos e pela qual mais rapidamente se chegará a uma situação de estabilidade orçamental.


36º

Pede-se a prova de outras vias possíveis para alcançar o mesmo resultado da medida excepcional aplicada pelo Governo.


37º

No que diz respeito ao ponto 54 da petição apresentada não se percebe a referência ao acórdão do STJ de 19/10/2010, Processo nº565/1999, pois este trata da colisão do direito ao repouso como direito de personalidade e o princípio da utilidade pública na vertente de obras públicas, não fazendo referência a retribuições.


38º

Como já referimos no ponto 7, supra, o Ministério das Obras Públicas procedeu ao despacho de suspensão da construção do novo aeroporto consequentemente não incumpriu com o acordo com FMI, nos termos do art. 1.º do Aditamento ao memorando da Troika executado pelo Decreto-lei n.º 123/11, de 13 de Abril de 2011, publicado no “Diário da Assembleia da República”, II Série A, nº 17, de 13/Abril/2011. Como comprova o documento 2 anexado.




IV- Quanto à Providência Cautelar:

                                                         
39º

Foi intentada uma Providência Cautelar antecipatória nos termos do artigo 120º alínea a) do C.P.T.A, onde está em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal. No entanto não aceitamos esse entendimento, uma vez que consideramos que o acto não é manifestamente ilegal.


40º

A referida Providência podia, quanto muito, ter sido pedida nos termos do artigo 120º alínea c), mas nunca pela alínea a), dado que não é evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal.


41º

Ainda que fosse pedida nos termos da alínea c), não seria procedente dado que, após a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, consideramos que o interesse público acabará por prevalecer, dada a conjuntura económica que o país atravessa provocada por uma crise internacional como decorre do nº 2 do artigo 120º do C.T.P.A.


42ºº

Como explica o constitucionalista Tiago Duarte, como o que está em causa é uma questão de dinheiro, o mais provável é que os juízes entendam que o prejuízo de ter um corte no salário não é irreparável, dado que se a sentença for a favor dos trabalhadores, eles acabam por receber o dinheiro acrescido de juros.

43º

Os tribunais administrativos tem considerado que, quando o litígio tem a ver com questões financeiras, não se justifica estar a deferir as Providências Cautelares.






                                                       Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve a presente acção ser rejeitada, e absolvidos os RÉUS da instância quanto a todas as pretensões que lhe são dirigidos pela incompetência relativa do tribunal, por ilegitimidade passiva por falta da indicação dos contra-interessados e falta de legitimidade activa em relação ao pedido de suspensão das obras do novo aeroporto.



Ou, se assim não se entender, deve a presente acção ser julgada improcedente por não se considerar inconstitucional o acto por evidentes motivos de interesse público relevantes no intuito de assegurar a sustentabilidade das contas públicas. Também a Providência Cautelar deve ser rejeitada por não ser evidente a procedência da acção principal.








Testemunhas:

1-    Antónia Manuela Casadinho Mil Homens, Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, Praceta do Girassol nº32, 1600 Lisboa.

2-    Augusta Gasta Pouco, Professora de Economia, Rua da Ribeira dos Tostões nº3, 1600 Lisboa.

3-    Bernardina José da Silva Maquete, Arquitecta, Rua das Belas Artes nº10, 1600 Lisboa.





Junta: Lei do Orçamento de Estado de 2011, (documento1) Despacho do Ministro, (documento 2), Procuração forense (documento3).

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