domingo, 22 de maio de 2011

A legitimidade das partes

A legitimidade apresenta-se como um pressuposto processual do sujeito, sendo necessário que esteja verificado este requisito para que o tribunal possa proferir decisão sobre o caso concreto. Diz-se que a parte é legítima (e que o processo só assim terá utilidade), se nele estiverem presentes as pessoas ou entidades envolvidas na relação jurídico-administrativa em causa, porque a decisão só para elas interessa e valerá. O objectivo é, desta forma, conferir aos titulares da relação material controvertida o direito de ser parte em processo judicial a fim de dar sentido útil às decisões dos tribunais.
Para alguns autores, este pressuposto refere-se à titularidade da relação jurídica, tal como foi invocada na petição inicial, enquanto que para outros, esta titularidade deve ser a da real relação jurídica, eventualmente, aquela que é a estabelecida pelo tribunal.

Cabe distinguir os dois tipos de legitimidade que constam no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA): a legitimidade activa e a legitimidade passiva.

Quanto à legitimidade activa, ela prende-se com o facto de implicar a titularidade do direito potestativo da acção, ou seja, o autor é parte legítima quando alega que é parte na relação jurídica controvertida, que é ele que tem a titularidade do direito, segundo o disposto no artigo 9º nº 1 do CTPA. Por sua vez, o nº2 do mesmo artigo prevê uma extensão da legitimidade processual a quem não alegue ser parte numa relação material e que se proponha submeter à apreciação do tribunal, estando aqui consagrada a acção popular, cujo direito se encontra protegido no âmbito do artigo 52º nº3 da Constituição da República Portuguesa. Deste modo, a lei admite a possibilidade de qualquer cidadão, das autarquias locais, do Ministério Público, de associações e fundações terem legitimidade para promoverem judicialmente a defesa de valores e bens protegidos.

De referir que nos termos do 9º nº1, o contencioso administrativo, com a intervenção dos particulares individualmente considerados, assume a sua função predominantemente subjectiva de protecção dos direitos dos particulares, mas já no âmbito do 9º nº2 CPTA acaba por assumir uma função objectiva, pois consagra a tutela da legalidade e do interesse público.
A acção administrativa especial reconhece a legitimidade activa ao Ministério Público e a órgãos administrativos, e quanto aos particulares, a estes basta demonstrar a existência de um interesse directo e pessoal, não sendo a eles exigida a titularidade de uma posição jurídica subjectiva substantiva quanto aos pedidos impugnatórios.
Há também legitimidade quanto aos terceiros, por serem concorrentes no concurso de formação de um contrato ou por serem beneficiários das obrigações aí estipuladas, que constam em casos de acções relativas à validade e à execução de contratos.

Nos dias de hoje, há que ter em conta a existência de relações multilaterais, e com a reforma do contencioso administrativo, o legislador parece ter tido em conta estas relações e, dessa forma, houve a necessidade de chamar os sujeitos, de fazer intervir juízo todos os titulares da relação material controvertida para que possa haver coincidência entre relação material e relação processual. Prevê-se assim, a possibilidade de ocorrência de situações de pluralidade de partes que correspondem às figuras gerais do litisconsórcio e da coligação.
Há litisconsórcio quando todos os pedidos são formulados por todas as partes (litisconsórcio activo) ou contra todas as partes (litisconsórcio passivo): há unicidade do pedido, assim como é unitária a relação jurídica substancial em litígio. Segundo o Prof. Vieira de Andrade, o artigo 10º nº8 do CPTA prevê um litisconsórcio necessário passivo nas pretensões dirigidas contra a Administração, quando se exija a colaboração entre de outra ou outras entidades, para satisfação dessas mesmas pretensões.
Quanto à coligação, esta existe quando cada um dos pedidos seja formulado por cada um dos autores (activa), ou contra cada um dos réus (passiva). Há aqui uma pluralidade de pedidos, ou seja, uma pluralidade de relações materiais controvertidas, embora exista uma conexão entre si. O CPTA permite a coligação de vários autores contra um ou vários demandados, assim como a conjugação de pedidos diferentes por um autor contra vários demandados, nos casos do artigo 12º CPTA (e 30º CPC).

Quanto à legitimidade passiva que está plasmada no artigo 10º do CPTA, ela refere-se à entidade contra quem se formula o pedido, contra quem deverá ser proposta a acção, e são, em regra, uma pessoa colectiva pública e os terceiros contra-interessados, enquanto pessoas prejudicadas directamente com a procedência do pedido. Por isso, poderemos dizer que será o autor, em função do seu pedido, que conformará a relação jurisdicional administrativa.
Como refere Vieira de Andrade, poderá também suceder que os pedidos sejam dirigidos contra sujeitos privados, “ quando estes, pela actividade que desenvolvem, sejam equiparados a entidades públicas, quer quando estejam em causa pretensões contra eles de outros sujeitos privados, perante a inércia administrativa ou mesmo de pessoas colectivas publicas que não possam ou não queiram utilizar os seus poderes de autoridade”.

Como a regra especial afasta a regra geral, é necessário analisar a legitimidade activa à luz do artigo 55º CPTA. Esta surge enquadrada no âmbito da acção administrativa especial para impugnação de actos administrativos.
A lei reconhece neste artigo legitimidade activa a quem seja titular de um interesse directo e pessoal na impugnação, designadamente quando alegue uma lesão de direitos e interesses legalmente protegidos.

Cabe agora fazer uma referência quanto ao interesse directo que decorre da legitimidade.

Para se concretizar um interesse como sendo directo, deve-se ter em conta quando se está perante o efeito de uma decisão que afecte directamente a esfera jurídica do interessado, isto é, deve existir aqui uma ligação necessária entre o pedido e causa de pedir (a pretensão do autor), e a decisão do tribunal.
Quanto ao interesse pessoal, para ele existir, a decisão jurisdicional que o autor pretende obter com o seu pedido deve reflectir-se exclusivamente ou preferencialmente na sua esfera jurídica.
Em relação ao interesse processual, há que ter em conta que a expressão interesse directo e pessoal diz respeito ao pressuposto processual da legitimidade; enquanto interesse processual é um pressuposto distinto. Recorre-se ao termo interesse em agir para melhor compreender este pressuposto processual. Há quem defenda o extrapolar dos pressupostos do interesse em agir presentes no artigo 39º do CPTA (no seio da acção administrativa comum) para a acção administrativa especial, e são eles a invocação de “utilidade ou vantagem imediata, para si, (…) por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação por parte da Administração, da existência de determinada situação jurídica, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva”.
A pessoa tem de ter um interesse objectivo naquela decisão, é necessário que retire um benefício específico da decisão do tribunal. Segundo palavras de Vieira de Andrade “tem interesse directo e pessoal quem retire imediatamente (directamente) da decisão um benefício específico para a esfera jurídica (pessoal) ”.

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