domingo, 22 de maio de 2011

O Ministério Público no Contencioso Administrativo

O âmbito de delimitação da jurisdição administrativa, em termos positivos e negativos encontra-se regulado no ETAF nos seus artigos 1º e 4º, que atribui aos tribunais administrativos, nos termos constitucionais, a competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, reflectindo-se tal competência numa ampliação do âmbito tradicional.
No artigo 2º, nº1 e nº2 consagrou-se o princípio da tutela jurisdicional efectiva (a cada direito corresponde uma acção), incluindo a tutela cautelar e, portanto, abandonou-se a tipicidade dos pedidos, elencando-se os diversos conteúdos da pretensões possíveis junto dos tribunais e os correspondentes poderes do juiz.
Destas pretensões destacam-se: condenação à prática de acto administrativo devido, a condenação à não emissão de actos administrativos, a intimação para adopção ou abstenção de comportamentos administrativos e a declaração da ilegalidade por omissão de regulamentos, bem como a resolução de litígios entre privados e entre órgãos da mesma pessoa colectiva pública.
Criaram-se duas formas processuais (meios processuais), a acção administrativa comum (art. 37º do CPTA) e a acção administrativa especial (art. 46º do CPTA), sendo a acção mais frequente do contencioso administrativo a acção especial visto que sempre que se verifique cumulação de pedidos e um deles siga a forma de processo especial será utilizada a forma de acção especial (art. 5º do CPTA).
Admite-se com grande amplitude a livre cumulação de pedidos em função da mesma relação jurídica ou da mesma matéria de facto ou de direito (art. 4º, nº 2 e art. 47º do CPTA).
Consagra-se o princípio da igualdade de armas entre o recorrente e a Administração no sentido da consagração de um verdadeiro “processo de partes”.
Alarga-se substancialmente a protecção cautelar dos administrados, que abrange quaisquer providências, “ antecipatórias ou conservatórias”, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença (art. 112º e ss. do CPTA).
 A Reforma da acção administrativa consagrou o processo administrativo como um processo de partes e alargando os poderes de cognição e de decisão do juiz perante a administração, no entanto, detectam-se os momentos objectivistas do regime, no que respeita à legitimidade processual activa, designadamente para a impugnação de actos administrativos, seja nos significativos poderes que continuam a reconhecer-se ao M.P. como auxiliar da justiça, em defesa da legalidade.
A intervenção do Ministério Público na jurisdição administrativa e fiscal está subordinada ao estabelecido no artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e as atribuições que exerce não são mais do que concretizações e especialidades dessa modelação geral de base constitucional, bem como da densificação que da mesma é feita nos artigos 1.º a 6.º do Estatuto do Ministério Público (EMP).
Na realidade, tal como sucede no processo civil, também no processo contencioso administrativo, antes como depois da reforma, são tais poderes exercidos intervindo quer a título, quer exerce funções de defesa da independência e da legalidade na função jurisdicional e/ou de assistência.
O Ministério Público no processo administrativo pode surgir como autor, no caso de este propor acções no exercício da acção pública, estendendo o artigo 9/2 no que diz respeito a acções em defesa de interesses constitucionalmente protegidos.
Porém, o Ministério Público também representa o Estado, surgindo em sua defesa no caso de acções administrativas comuns propostas contra o Estado em matéria de responsabilidade civil ou contratos.
Assim sendo, o Ministério Público desempenha um conjunto de papéis nos tribunais administrativos, como revela o artigo 51º do ETAF.
No caso de matérias contratuais ou de responsabilidade em que exista cumulação e acção administrativa especial e tenha sido deduzido pedido contra uma conduta ou omissão de um órgão ministerial, a legitimidade passiva já não passará pelo Ministério Público, sendo portanto essa legitimidade atribuída ao Ministério em causa, artigo 51º do ETAF. Tal conclusão, resulta da formulação de ao MP não incumbir representar qualquer outra entidade que não seja o Estado e, em relação a este só nos casos do artigo 11/2 e 10/2 no âmbito de serviços dependentes do Governo, confere legitimidade aos Ministérios e não ao Estado.
O artigo 85º confere ao MP a possibilidade de intervenção, mesmo não sendo parte e em que a forma de acção administrativa seja a especial, nos casos de matérias de defesa de direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores referido no artigo 9/2 do CPTA.
A intervenção do MP neste caso deve-se à necessidade de melhor esclarecimento dos factos ou melhor aplicação do direito, podendo ocorrer um requerimento a solicitar a realização de diligências instrutórias ou de um parecer sobre o mérito da causa, onde o MP exprime a sua opinião sobre o sentido em que a causa deve ser decidida.
A intervenção do MP não é obrigatória, podendo ocorrer somente uma vez na fase processual prevista no artigo 85º do CPTA e só quando o MP entender existirem razões que o justifiquem, tendo em conta a relevância da matéria em causa, não podendo versar sobre índole processual, mas somente sobre questões de carácter substantivo.
Na verdade, o artigo 85.º do CPTA, veio a alterar profundamente o modelo tradicional de intervenção do Ministério Público nos processos em que não figure como parte, e fê-lo quanto ao conteúdo, ao momento e ao modo de intervenção.
O regime anterior do artigo 85º do CPTA previa poderes mais amplos ao MP, uma vez que nos processos em que este não era parte, podia intervir necessariamente em dois momentos: para emissão de um visto inicial e de um visto final, além de poder suscitar questões de índole processual que obstassem à apreciação do mérito da causa pelos tribunais.
No âmbito dos recursos, o MP pode intervir nos recursos jurisdicionais que não tenha interposto, tem legitimidade para interpor de recursos jurisdicionais de decisões ilegais, de recursos de uniformização de jurisprudência e recursos de revisão – artigo 104/2, 141/1, 146, 152/2 e 154 do CPTA.
A alteração gerou polémica pela jurisprudência do Tribunal europeu dos Direitos do Homem no acórdão Lobo Machado, em que se concluiu constituir violação do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem a emissão de parecer escrito pelo M.P. sem que fosse assegurado o direito de resposta por parte do demandante; também, pela jurisprudência entretanto produzida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 345/99, que julgou inconstitucional a norma do artigo 15.º do LPTA que permitia a intervenção do M.P. nas sessões de julgamento do STA, com fundamento na violação do processo equitativo a que se refere o artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P
O CPTA acolheu, por imposição dos artigos 219.º da C.R.P. e artigos 1.º a 6.º do EMP, uma solução de continuidade face ao regime anterior, por continuar a reconhecer-se um papel processual relevante ao M.P. para fiscalização da legalidade (art. 51º do ETAF), sobretudo o de iniciativa, mas também, embora limitado à defesa de valores comunitários, ao poder de dar parecer sobre o mérito e o de invocação de novos vícios, apesar de se lhe ter retirado alguns dos seus poderes processuais, limitando a intervenção na fase instrutória e suprimindo a vista final e a participação da sessão de julgamento (artigos 58º, nº2, 62º e 73º, nºs 3 a 5, 77º, 85º, 104º, nº2, 146º, 152º, e 155º, todos do CPTA).
Concluímos que o MP continua a deter importantes poderes de iniciativa e intervenção processual para defender a legalidade, o interesse público, tal como os bens comunitários ou valores socialmente relevantes, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

Tânia do Carmo Pardal
nº16951

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