quinta-feira, 21 de abril de 2011

Providências Cautelares

A tutela cautelar constitui uma das principais inovações do CPTA em especial, e da reforma do contencioso administrativo em geral.
            Antes da reforma podia fazer-se uso das providências cautelares não especificadas do Código de Processo Civil (CPC), já que o CPTA considerava o direito processual civil como direito subsidiário em matéria de contencioso administrativo. No entanto, praticamente não se fez uso dessa possibilidade, assim FREITAS DO AMARAL refere que “Portanto, para todos os efeitos, pode dizer-se que no nosso direito processual administrativo anterior não existia a figura genérica das providências cautelares, havendo apenas a figura específica a que inicialmente se chamava “suspensão de executoriedade do acto administrativo”, e depois; (...) “suspensão da eficácia do acto administrativo[1]”. Cabe ainda referir que actualmente, além da possibilidade de suspensão de actos, há também a possibilidade de suspensão de normas, ainda que com restrições (normas de aplicação imediata e com efeitos circunscritos ao interessado, salvo nos casos em que o requerente seja o Ministério Público já que este defende o interesse público)[2].
            Actualmente existe uma muito mais alargada panóplia de providências cautelares administrativas, desde logo o legislador no nr. º 2 do 112º do CPTA permite que se recorra, quando necessário e mutatis mutandis, às providências constantes do CPC, das quais VIEIRA DE ANDRADE[3] destaca a suspensão das deliberações sociais (para as associações públicas), o arresto, o arrolamento e o embargo de obra nova. Além destas, o artigo elenca ainda providências tipicamente administrativas, algumas referenciadas adiante nos arts. 128ºss. (nem todas as alíneas do 112º/2 têm regulação específica adiante no código). Este alargamento das providências cautelares possíveis deve conduzir, aos olhos de VIEIRA DE ANDRADE, à extensão da excepção do art. 153º CPA a todas as providências cautelares[4].
            As providências cautelares são procedimentos especiais e urgentes. Especiais porque não se reconduzem nem à acção administrativa comum, nem à especial. E são urgentes porque tanto o art. 35º, como o 36º/1e) CPTA o estabelecem, correndo os prazos mesmo em férias. Cabe aqui apartar as providências cautelares dos processos urgentes autónomos. Estes últimos têm como propósito a obtenção de decisões de mérito da causa enquanto que as primeiras têm como ratio “assegurar o efeito útil da decisão principal”[5], ou seja, servem para que, quando a decisão final vier a ser proferida, ainda tenha alguma utilidade e não se reconduza somente ao decretar de um direito já sem efectividade. No entender de VIEIRA DE ANDRADE “os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer Justiça”[6]. Daqui resulta que, tal como no direito processual civil, existem dois grandes tipos de providências cautelares, previstas desde logo no nr. 1 do 112º CPTA: as medidas cautelares antecipatórias e as conservatórias. FREITAS DO AMARAL define-as do seguinte modo: [providências antecipatórias] “são aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito”, [providências conservatórias] “são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder”[7].
            Estas medidas cautelares têm três grandes características próprias: a provisoriedade, já que não se encontra em causa a composição definitiva do litígio, a sumaridade e a intrumentalidade[8] porque não há providências cautelares independentes, todas dependem de um processo principal, o que não significa que tenham de ser interpostas só quando o processo principal já tenha sido instaurado. O art. 114º estabelece o momento em que se podem requerer ou interpor as providências cautelares. Temos então três momentos: antes da instauração do processo, concomitantemente com a petição inicial, ou já na pendência do processo (desde que a providência ainda tenha efeito útil). Nos casos em que seja requerida antes tem a natureza de processo autónomo que será integrado no principal e cairá se ele nunca for instaurado, se for já depois tomam a natureza de incidente. A provisoriedade das providências cautelares é confirmada no art. 123º CPTA que diz respeito à caducidade das mesmas.
            
Pressupostos:
  •          Legitimidade, art. 112º CPTA.
  •          Fumus boni iuris, ou a “aparência de bom direito”, funciona como base determinante da concessão ou não da providência cautelar. Assume grande relevância nos casos em que seja manifesta a procedência da acção principal, assim o juiz pode decretar a providência independentemente  do receio do facto consumado, art. 120º/1a) CPTA. Já nos casos de incerteza quanto à ilegalidade do acto ou ao direito do particular, o legislador optou por uma graduação, não se bastando com a aparência do direito e exigindo também os restantes requisitos, desde logo o periculum in mora.
  •          Summaria cognitio, ou o carácter sumário do conhecimento da questão pelo juiz. É um pressuposto que se justifica pelo carácter urgente da medida, também neste ponto operando uma graduação da urgência. Assim, por definição há lugar a contraditório, art. 117º CPTA, no entanto, em casos “de especial urgência” admite-se um decretamento provisório imediato nos termos no art. 131º do mesmo código.
  •          Periculum in mora,ou o receio da constituição de facto consumado.
  •          Ponderação de todos os interesses em jogo, ou o princípio da proporcionalidade na vertente do equilíbrio, art. 120º/2 CPTA. Este ponto confere ao juiz a faculdade de, ainda que se encontrem preenchidos todos os restantes pressupostos, não dar provimento à medida cautelar requerida. Cabem neste caso as situações em que o prejuízo para o requerido seja superior ao que a providência pretende evitar.
  •          Necessidade. Neste caso, e nos termos do art. 120º/3 CPTA, existe uma derrogação expressa do princípio fundamental do pedido. Esta derrogação tem como objectivo assegurar que a medida decretada é a mais adequada ao caso. Neste pressuposto se demonstra que a proporcionalidade da providência não se esgota na decisão de “sim” ou “não”, mas se estende ao “em que termos”, ao conteúdo da providência a adoptar. Ainda o número 3 do art. 120º estabelece que as providências se devem consignar ao indispensável para evitar a lesão dos interesses em causa.

           Ana Cardoso Santos, nr.º 17115


[1] Cfr.: Freitas do Amaral, Diogo; “Providências Cautelares no Novo Contencioso Administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nr. º 43, 2004. Pp. 4.
[2] Cfr.: Vieira de Andrade, José; “Tutela Cautelar”, IV Seminário de Justiça Administrativa, in Cadernos de Justiça Administrativa, nr. º34, 2002. Pp. 47.
[3] Cfr.: Vieira de Andrade, José; “Tutela Cautelar”..., Pp. 47.
[4] “Art. 153º: (Proibição de embargos). Não são admitidos embargos, administrativos ou judiciais, em relação à execução coerciva dos actos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matéria de suspensão da eficácia dos actos.”
[5] Cfr.: Freitas do Amaral, Diogo; “Providências Cautelares...”, Pp. 6.
[6] Cfr.: Vieira de Andrade, José; “Tutela Cautelar”..., Pp. 46.
[7] Cfr.: Freitas do Amaral, Diogo; “Providências Cautelares...”, Pp. 6.
[8] Cfr.: Vieira de Andrade, José; “Tutela Cautelar”..., Pp. 46

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