sábado, 23 de abril de 2011

Caducidade do direito à acção e extinção da lide cautelar


Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte , de 18-03-2011
Sumário:
I. Os processos cautelares visam ser instrumentais da acção principal, sendo esta a sua característica
endógena mais proeminente;
II. No meio da tipicidade processual, em que os cautelares são meros serventuários dos fins a atingir  na acção principal, a convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA surge como uma solução  atípica, imposta pela necessidade de tutela jurisdicional efectiva;
III. Coerentemente com o princípio da tipicidade dos meios processuais, e natureza instrumental  dos processos cautelares, temos de concluir que essa antecipação do juízo de fundo apenas poderá  ser realizada durante o período de vida do direito de intentar a acção principal;
IV. Depois de ter caducado o direito de intentar a acção, deixa de fazer sentido, e de ser legalmente  possível, proceder à referida antecipação.

Caducidade do direito à acção e extinção da lide cautelar

No artigo anterior deixámos uma questão por resolver: será que num processo cautelar, tempestivamente intentado, poderá ser antecipado o juízo de fundo sobre causa principal que já não pode dar entrada em juízo, por caducidade do respectivo direito de acção?

É a esta questão que propomos dar agora resposta.

O CPTA assegurou dois modelos de tramitação: um modelo de tramitação ordinária – aplicável aos processos declaratórios e executórios comuns – e um modelo de tramitação urgente – aplicado aos processos especiais previstos nos títulos IV e V do CPTA.
Na secção II, do Capítulo V, da parte geral do Título I, o CPTA determina o âmbito do modelo de tramitação urgente.

De acordo com o princípio da tipicidade legal das formas de processo – art. 35.º e 36.º do CPTA  - devem seguir a forma urgente nos processos relativos ao contencioso eleitoral, ao contencioso pré-contratual, os processos relativos à intimação para prestação de informações, consulta de documentos ou passagens de certidões e os processos relativos à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias tendo também tramitação urgente o processo cautelar. Deste modo, os interessados podem delas lançar mão  para o efeito de aí verterem e verem tramitadas as suas pretensões[1].

Respeitando o princípio da tipicidade das formas de processo, as pretensões urgentes devem ser formuladas nos processos que seguem um modelo de tramitação urgente, sendo certo que cada tipo de pretensão - urgente tipificada nos Títulos IV e V do CPTA deve obrigatoriamente constituir o objecto do respectivo processo e este deve tramitar segundo a forma urgente[2].

Como referido no artigo anterior, a concretização do direito ao processo efectivo e temporalmente justo implica que estejam previstos processos simplificados e estruturalmente adequados para as situações de urgência.

Os processos cautelares[3]destinam-se a obter providências visando evitar que o tardio julgamento da acção principal possa determinar a inutilidade da decisão que nela vier a ser proferida, e que, por causa disso, o interessado seja colocado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter a situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida[4].  Nas palavras de Vieira de Andrade[5] visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer justiça.

Os processos cautelares são, deste modos, caracterizados pela técnica da acessoriedade – instrumentalidade e pela técnica da provisoriedade que culminam na emissão de decisões judiciais de urgências provisórias[6].

Estando em causa  proferimento de decisões conservatórias é comum falar-se numa dupla instrumentalidade  perante o direito material ou perante a pretensão jurídica substantiva uma vez que  tramitando de forma dependente e tendo como função primordial assegurar a efectividade de um processo ordinário, eles visam assegurar sobretudo a utilidade da sentença principal[7]  sendo que, muitas vezes, o direito material não chega a ser analisado nem provisoriamente aplicado. A dupla instrumentalidade está presente na cláusula aberta do art. 112.º, n.º1 do CPTA, ex vi art. 2,º, n.º1 do CPTA traduzindo a função servil das providencias nele decretadas para assegurar a efectividade do processos principal.

Em suma, são duplamente instrumentais  perante o direito material uma vez que são instrumentais perante um outro processo e  instrumentais, num segundo plano, perante o direito material visando assegurar a plena utilidade da sentença que vier a ser emitida nesse processo e não realizar imediatamente a tutela judicial do direito material[8].

Pelo contrário, estando em causa o procedimento de uma decisão antecipatória provisória a sua função é semelhante aos processos urgentes autónomos. Nestas decisões está em causa a realização provisória da tutela judicial de uma pretensão jurídica substantiva garantindo a protecção provisória do direito material que está em vias de ser afectado.

A diferença entre estes e os processos urgentes autónomos é que, enquanto estes últimos não estão condicionados pela acessoriedade instrumentalidade culminado em decisões de fundo, naqueles a técnica da acessoriedade – instrumentalidade está patente permitindo realizar a tutela judicial efectiva de todas as pretensões de urgência atípicas, por referência a uma situação principal, sendo que a tutela judicial do direito material é apenas realizada provisoriamente[9].

Esta relação de dependência e autonomia do processo cautelar perante o processo principal  manifesta-se no regime da legitimidade das partes, no critério que determina a competência do tribunal, na vigência e duração dos efeitos das providências etc. Temporalmente, a providência apenas pode ser pedida quando se precisar dela, no plano da necessidade, quando existir uma situação de periculum in mora ameaçando a efectividade da decisão no processo principal.

Já vimos, no artigo anterior, que a convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA surge como uma solução atípica imposta pela necessidade de tutela jurisdicional efectiva. Com este mecanismo, o juiz cautelar pode tecer um juízo de fundo que deveria ter ligar na acção principal, antecipadamente em nome da urgência na resolução definitiva do conflito. A decisão de fundo proferida ao abrigo da convolação do artigo 121º constitui decisão definitiva, não decisão provisória:  origina caso julgado material, não caso julgado formal.

Como foi referido no douto acórdão traduz-se em decisão que é própria de acção principal, e não de acção cautelar, pois é daquela que são próprios os seus efeitos.

É verdade que, de acordo com o estipulado nos artigos 113.º e 121.º do CPTA, a convolação permitida por  tanto poderá acontecer durante como antes da pendência da acção principal.

Todavia, o juiz cautelar só poderá emitir um juízo de mérito durante o período de tempo em que a acção principal ainda pode ser intentada. Assim o determina o principio da tipicidade dos meios processuais e a própria natureza instrumental dos processos cautelares.

Acompanhamos, por isso, a posição vertida no douto acórdão. Pensar de outro modo, significa admitir um novo tipo de processo principal urgente, que não está previsto na lei(...) desvirtuando a natureza instrumental do processo cautelar, que pura e simplesmente deixaria de o ser, para se tornar um processo principal.

A convolação só poderá ter lugar quando a acção principal for tempestivamente proposta. Depois de caducado o  direito de acção não é legalmente possível – por este direito ter caducado – proceder à convolação.

Não está em causa saber se os requisitos de aplicação do art. 121.º do CPTA estavam ou não preenchidos – como o recorrente pretendeu fazer valer. Tendo em conta este mecanismo é, dada a sua natureza, instrumental e acessório do processo principal, a convolação não pode prosseguir quando, na verdade, o direito de acção principal já caducou. Só caso o mecanismo previsto no art. 121.º do CPTA fosse caracterizado por  total independência de um outro processo é que tal poderia proceder.

Como é defendido no aresto, uma conclusão em sentido contrário torná-la-ia numa forma ínvia de contornar o prazo legalmente imposto para intentar a acção, dirigindo-se apenas a obviar a situação de extemporaneidade em que se caiu, carecendo de razão objectiva, assim, a necessidade de tutela(...)ocorrendo um verdadeiro desvio dos fins que levaram à consagração da própria convolação do artigo 121º do CPTA. Deixar-se-ia entrar pela janela aquilo que se fez sair pela porta...




[1] Ac. do TCA do Norte, de 18/3/2011.
[2] Isabel Celeste Fonseca, Os processos Cautelares na Justiça Administrativa – Uma parte da categoria da tutela jurisdicional de urgência. In Temas e Problemas de Processo Administrativo, p. 123.
[3] Para um desenvolvimento aprofundado da questão v. Freitas do Amaral, Providências Cautelares no Novo Contencioso Administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 43, 2004.
[4] Ac. do TCA do Norte, de 18/3/2011.
[5] Vieira de Andrade, Tutela Cautelar, IV Seminário de Justiça Administrativa, in Cadernos de Justiça Administrativa, N.º34,  2002. P. 47.
[6] Neste sentido, v. Isabel Celeste Fonseca, op. cit., p. 133.
[7] Idem.
[8] Idem, p. 136.
[9] Idem.

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