sábado, 23 de abril de 2011

O acto administrativo inimpugnável

A inovadora regulação do artigo 38º do CPTA permite que um acto administrativo que se tornou inimpugnável, ou seja, um acto administrativo contra o qual já não seja possível instaurar um processo que o impugne, visando a sua anulação, nomeadamente por ter caducado o prazo dentro do qual podia ter sido impugnado (58º e 59º CPTA), possa vir a ser reconhecido como ilegal, a titulo incidental, quando a lei o admita, no âmbito de uma providência judiciária que não seja especificamente dirigida à anulação ou declaração de nulidade desse acto, e designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por facto ilícito.

Trata-se de um reforço do princípio da autonomia ressarcitória pois consagra a separação do dever de indemnizar relativamente ao ónus de impugnação do acto causador da responsabilidade. A norma vem pôr cobro à polémica que se instalou pela aparente contrariedade entre dois segmentos normativos do artigo 7º do D.L. nº 48 051 de 21/11 de 1967, afastando a interpretação de tratar a impugnação contenciosa do acto administrativo danoso como pressuposto da acção de responsabilidade dando razão àqueles que já defendiam que a única interpretação conforme à Constituição do presente artigo, seria a que estabelecia não a caducidade do direito de ressarcimento mas um regime de exclusão ou diminuição da indemnização quando a negligência processual do lesado, por falta ou deficiente impugnação contenciosa do acto administrativo ilegal tenha contribuído para a produção ou agravamento dos danos. Tal como sustenta Margarida Cortez (1): não se trata de um limite à autonomia das acções sobre responsabilidade “mas a simples previsão de uma situação particular de concurso de culpa do lesado que a verificar-se, influencia a fixação do quantum imbenizatório”. A norma do artigo 7º caracterizaria uma situação de concorrência de culpa do lesado semelhante à prevista no artigo 570º do Código Civil. Esta solução é agora consagrada expressamente no artigo 4º da lei 67/2007 de 31 de Dezembro, onde se prevê que «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade de culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.» Tal como defende Vieira de Andrade (2) «o direito à indemnização não depende da tempestiva impugnação administrativa, mas a autonomia da acção de responsabilidade não obsta a que o particular possa ver diminuída ou eliminada a indemnização a que teria direito, por concorrências de culpa, na medida em que a produção ou agravamento de danos seja imputável a negligência processual do particular»

O artigo 38º corrobora este entendimento, ao admitir que o acto administrativo que se tornou inimpugnável e se cristalizou na ordem jurídica como válido pode, na produção dos seus efeitos, provocar danos na esfera jurídica do destinatário. Tais danos devem ser ressarcidos no âmbito de uma acção de responsabilidade civil. O acto não vai convalidar-se na lei substantiva podendo ser conhecido a título incidental pois não é o decurso do tempo que sana um acto ilegal sendo apenas um pressuposto processual administrativo. O nº 2 do artigo esclarece, porém, que uma tal pretensão a deduzir através da acção administrativa comum, há-de culminar com uma pronúncia indemnizatória, esta não é meio para a acção proposta ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto. 

Tal como sustenta Mário Aroso de Almeida (3), «o artigo 38º coloca-se num plano estritamente processual, para o efeito de sublinhar que, do ponto de vista processual nada impede que num processo não-impugnatório, submetido à forma da acção administrativa comum, o tribunal verifique, reconheça e declare, a título incidental, a ilegalidade de actos administrativos que já não possam ser impugnados nem, portanto contenciosamente anulados. Ponto é que, do ponto de vista substantivo, algum efeito útil se possa extrair de uma tal verificação - o que depende, como resulta do artigo 38º, nº1, de uma opção da lei substantiva, que tem de reconhecer relevância, para qualquer efeito, ao reconhecimento judicial a título incidental, da ilegalidade de actos administrativos já consolidados».

(1)Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, pag. 249
(2)Vieira de Andrade, A justiça Administrativa (lições) pag.203 e 204
(3) Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, pag 97 e 98




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