sábado, 26 de março de 2011

Iniciativa processual

Da infância difícil pela qual passou o Contencioso Administrativo, temos com a reforma de 2004 a institucionalização de uma jurisdição administrativa com matéria própria: litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
A iniciativa do processo pode partir de particulares, pessoas singulares ou colectivas, mas também de iniciativa popular, tanto individual como colectiva para defesa de bens e interesses comunitários.  
Do mesmo modo, claro está, as entidades e órgãos administrativos serão partes activas e passivas no processo.
Por outras palavras, as relações jurídicas administrativas abrangem “para efeitos de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa, (…) a generalidade das relações jurídicas externa ou intersubjectivas de carácter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os particulares e os entes administrativos, seja as que ocorram entre sujeitos administrativos” (1).
É de especial interesse, o papel do Ministério Público na promoção do processo nos casos em que a lei expressamente o preveja. De facto, o MP deve aqui respeitar o princípio da legalidade e a sua intervenção restringe-se aos factos tipificados ou quando uma entidade administrativa sem legitimidade processual que requeira a sua intervenção (art. 9º/2 CPTA). O artigo 68º/1 c) CPTA expressamente o refere: o dever de praticar o acto resulta directamente da lei e estão em causa a ofensa de direitos fundamentais, de interesse público especialmente relevante ou de outros valores mencionados no artigo 9º/2. O art. 40º/2 c) CPTA prevê a legitimidade do Ministério Público em acções relativas a contratos sobre cláusulas cujo incumprimento “possa afectar um interesse público especialmente relevante”. Aliás, o Ministério Público terá ainda a legitimidade para a impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão (art. 72º e ss CPTA). No art. 104º/2 é lhe concedido o pedido de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Tendo sido requerida providência cautelar, tal como as outras partes no processo, o Ministério Público pode também pedir a sua revogação, alteração ou substituição por alteração das circunstâncias inicialmente existentes (art. 124º/1).
Aliás, no artigo 130º/3, ao contrário dos outros requerentes, o Ministério Publico, na acção de declaração de ilegalidade da norma, quando requeira a suspensão da eficácia das normas, não terá de demonstrar que a aplicação da norma em causa foi recusada por qualquer tribunal em três casos concretos.
Contudo, fora desses casos, a propositura da acção vai depender da análise sobre se está em causa a defesa da legalidade, a salvaguarda de bens e direitos comunitários, para além da tutela de direitos, liberdades e garantias e prossecução de interesses públicos. Aliás, quando existam dúvidas quanto as factos, entende-se que o Ministério Público não deverá intervir se não existirem razões fundadas quanto à ilegalidade grave de um acto ou norma.
Fica demonstrado, que o Ministério Público enquanto o órgão do sistema judicial nacional encarregado de representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, tem a mesma legitimidade que os outros sujeitos que se dirijam aos tribunais administrativos para dimirir os conflitos do âmbito das relações internas e externas da Administração.
Um dos princípios que vigora agora, ao contrário do estipulado nos primórdios do Contencioso Administrativo, é o princípio da igualdade das partes. O tribunal, enquanto órgão independente, vai assegurar a tutela efectiva da igualdade das partes, sendo-lhes atribuída as mesmas faculdades e uso dos meios de defesa, e a aplicação das mesmas cominações ou sanções processuais.


(1)  ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2011, pág. 53

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