quinta-feira, 26 de maio de 2011

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Processos Urgentes

Os processos urgentes têm previsão constitucional directa no art. 20º/4 de forma mediata, referindo o direito de que a decisão de uma causa seja em prazo razoável, e no número 5 do mesmo artigo - introduzido pela Revisão de 1997- de forma mediata, onde se estipula que "para defesa dos direitos, liberdades e garantias, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pelos celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil...". Deste último preceito podemos retirar já as características principais do que deverá ser um processo urgente. Deverá ser célere e prioritizado em relação aos demais, estabelecendo aqui a diferença entre estes e as acções administrativas comum (art.37º e ss.) e especial (art. 46º e ss.), e visará obter tutela definitiva, o que os afasta das providências cautelares (art. 112º e ss.). A tutela definitiva num processo especialmente célere justifica-se nas causas em que interessam valores de maior magnitude cuja questão jurídica subjacente não é por si muito complexa, mas que se tornariam demasiado onerosas com o agravamento que traz a morosidade da justiça. Assim sendo, prevê-se que cada vez mais a protecção dos particulares nas relações jurídico-administrativas passe por estes meios processuais.

O CPTA começa por definir os processos urgentes no seu art.36º enumerando os cinco tipos previstos. Dever-se-á fazer aqui dois apontamentos importantes. O primeiro referente ao critério de inclusão neste preceito que se dá pela celeridade processual, razão pela qual as providências cautelares nele também se incluem, não lhe importando se a decisão de fundo é provisória ou definitiva. O segundo refere-se á enumeração propriamente dita, da qual se podia retirar a consequência de que haveria aqui tipicidade das formas enumeradas. Assim não é. O número um começa por indicar que não se excluem outros casos previstos na lei. Destes haverão os que estejam especialmente referidos em lei especial e os que se criarão ad hoc por convolação, ou seja, a lei começa por limitar, e bem, os tipos de tutela urgente para evitar que tudo seja urgente, e acaba por permitir um uso flexível destes, que a tutela de direitos liberdades e garantias não pode ser impedida por meras literalidades, quando permite que certas providências cautelares se transformem em processos urgentes sendo a sua causa resolvida a título permanente. Observem-se os artigos 121º e 132º/7. Estabelecem um equilíbrio entre a aparente taxatividade do art. 36ºe as decisões provisórias cautelares.


Apesar de o art.36º juntar medidas cautelares com tutela urgente, importa dar a devida importância à separação que depois é feita nos títulos. Os processos urgentes são exclusivamente regulados no título IV e os processos cautelares no título V, separados precisamente porque divergem na sua finalidade, resultando os primeiros uma decisão final, com efeitos idênticos a uma acção administrativa especial, e os últimos numa decisão que regulará a situação a título provisório. Aquelas decisões finais são sentenças de mérito mas proferidas em tempo normal, adequado e razoável para a devida tutela dos bens jurídicos protegidos, com uma tramitação simplificada que permita o grau de protecção que a celeridade de uma providência cautelar teria.

Impugnações urgentes

O título IV sistematiza-se por uma divisão em dois capítulos, o primeiro referindo-se ás impugnações urgentes, o segundo ás intimações.
A estas impugnações urgentes aplicamos o preceituado no art. 36º/2, ou seja, estas correm em férias, com dispensa de vistos prévios (mesmo se em fase de recurso jurisdicional) e os actos praticados pela secretaria terão prioridade sobre quaisquer outros.
Nas impugnações urgentes encontramos os processos de contencioso eleitoral na secção I e os processos referentes a contencioso pré-contratual na secção II.

Processos urgentes de contencioso eleitoral
Este é o meio adequado para impugnar actos eleitorais no contexto da designação de titulares de órgãos administrativos de pessoas colectivas públicas (sendo quase pacífico que não pertencem á jurisdição administrativa as eleições para órgãos de pessoas colectivas privadas ainda que de interesse, utilidade ou mão pública, e completamente pacifico que estão sujeitos á jurisdição comum os órgãos da administração autónoma e regional) como causa principal pelo seu carácter urgente e irretratável.
Tratam-se aqui de questões que, se resolvidas sem a celeridade necessária, poriam em risco a participação democrática por falta de utilidade da sentença. A reconstituição da situação e a execução da sentença seriam impraticáveis.
Ao contrário do regime anterior que preferia o princípio da aquisição progressiva dos actos (que não permitia a passagem a uma fase seguinte sem que a anterior não estivesse consolidada para evitar anulações de actos por vícios prévios), este regime segue a impugnação unitária justificada pela urgência do acto mas referente a cada acto eleitoral mesmo significando a impugnação do acto eleitoral final por vícios procedimentais graves. Também neste sentido exige-se uma interpretação equilibrada devendo considerar-se como impugnável também a recusa de admissão de listas, a inscrição indevida de eleitores ou candidatos.
A impugnação de actos administrativos em matéria eleitoral rege-se pelo disposto nos artigos 97º e 98º, e subsidiariamente pelas disposições particulares da secção I do capítulo II  do título   III que se refere a acção administrativa especial. Assim funciona a plena jurisdição, que significa que na própria decisão pode existir mais do que uma anulação, pode existir uma  condenação imediata, tendo legitimidade activa, no prazo de sete dias do conhecimento do facto, quem seja eleitor ou elegível, ou, referente á omissão num caderno ou lista eleitoral, quem tenha sido omitido.
A tramitação dos processos de contencioso eleitoral regula-se pelo já referido número 2 do art.36º, pelas regras específicas do artigo 99º/2,3,4 e 5 e pelas regras de tramitação da acção administrativa especial, capítulo III do título III em tudo o que aqui não esteja especialmente regulado. Nestes termos, o prazo para a contestação e alegação é de cinco dias, apenas sendo admitidas alegações se na contestação for produzida ou requerida prova. O juiz deve decidir em cinco dias ou submeter o processo a julgamento no mesmo prazo, e decidir na primeira sessão que tenha lugar. Existe um prazo residual de três dias para a prática dos restantes actos.

Contencioso pré-contratual
Esta é a forma prevista para a impugnação de actos referentes á formação de contratos que completa decreto-lei nº 134/98 de 15e Maio. Mas não existe para qualquer tipo de contrato, a lei limita a quatro tipos, empreitada, concessão de obras publicas, prestação de serviços e fornecimento de bens, incluindo nos sectores de água, energia, transportes e comunicações, sendo  que as comissões de serviço foram expressamente excluídas pela directiva 2004/18/CÊ. O artigo 100º vem estender o âmbito de aplicação desta tutela a actos equiparados como o programa do concurso, o caderno de encargos e outros documentos referentes ao procedimento, e mesmo a actos jurídicos de direito público mesmo se praticados por sujeitos privados satisfazendo a exigência da directiva referida.
Se entretanto for celebrado o contrato, é possível a extensão do objecto do processo urgente à totalidade do mesmo, ainda que o objectivo deste seja evitar que isto suceda.
Ficam lamentavelmente de fora alguns contratos que, pela sua importância no nosso ordenamento jurídico, mereciam esta tutela, observemos especialmente a concessão de serviços públicos e de exploração de jogos de fortuna ou azar, não se entendendo a falta da sua inclusão.
O interesse aqui em causa é claramente o de promover a transparência e a concorrência nos contratos com as entidades públicas e o de permitir, uma vez celebrados, a respectiva estabilização em nome do interesse das partes -públicas e privadas, ainda que com desvantagens como o encurtamento do prazo de impugnação para o particular, havendo no entanto quem entenda que a medida correcta seria, não um processo urgente, mas tutelar. Entende-se também que, apesar da letra da lei assim não o referir ( ao contrário do contencioso eleitoral) que é cumulável um pedido condenatório a prática do acto pré-contratual devido seguindo favorecendo a tutela judicial definitiva que aqui se pretende, sendo assim mais do que uma sentença meramente anulatória.
Existe também aqui a subsidiariedade do tramitação da acção administrativa especial com as especificidades dos prazos que são obviamente reduzidos apesar de agora a  apresentação do pedido poder ser feita num mes a contar da notificação dos interessados. A possibilidade de apresentação de alegações e também limitada e existe possibilidade de concentração numa audiência publica com sentença imediata, excepto se nao houver possibilidade de satisfação dos interesses do autor, caso em que o juiz convida a um acordo com vista a indemnização.

Intimações
As intimações aplicamos também o preceituado no art. 36º/2. São processos urgentes de condenação da administração os pratica de comportamentos ou abstenções de forma simplificada.
Na intimação para  a prestação de informações , consulta de processos ou passagem de certidões, existente primariamente como meio acessório e objecto de evolução jurisprudencial e por fim legal, ate ser meio principal, que ainda se pode utilizar nos processos impugnatórios para obtenção de notificação integral de um acto administrativo, pretende-se respeitar o direito a informação procedimental ou direito de acesso aos arquivos e registos administrativos do interessado, tutelando os direitos enunciados nos art.s 61º a 64º do CPA.
Usarão deste meio os titulares do direito a informação, relevando aqui o regime substantivo, cabendo aqui também sujeitos que tenham direitos privilegiados a informação, sejam profissionais, políticos entre outros, contra quem detenha a informação pretendida, o ministério ou a pessoa colectiva a quem pertença o órgão. Este meio pressupõe que tenha havido um incumprimento da obrigação de prestar informação e só 20 dias depois deste pode ser apresentada a intimação.
Parece ser de se considerar que a administração não pode recusar o pedido, independentemente do fundamento, seja por inadequação ou por falta de interesse do requerente, por estar em causa a transparência da sua actuação, mas será de se atentar no facto de que muitas vezes tal requerimento poderá ser inoportuno, manifestamente irrelevante, e, por não ter que ser justificado, causará perturbações no bom funcionamento das repartições administrativas, sendo por isso de acautelar estes abusos.
A sentença e condenatória, o que explica o porque da não liquidez das condenações no contencioso pré contratual, já que aquele meio e por natureza condenatório, e haverá um prazo de dez dias para o cumprimento do acto devido, variando os termos da execução material da sentença conforme o pedido feito, sendo possível a existência de sanções compulsórias. A tramitação corresponde a uma adaptação da acção administrativa comum com particularidades que a tornam célere, sendo esta a forma que o CPTA entende deverem seguir processos que obriguem a uma determinada conduta.

Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Este é um meio idóneo para quando se pretende uma decisão de mérito célere que, como na anterior intimação, pretenda que seja executada ou abstida uma certa conduta, embora possa culminar numa sentença substantiva que se imponha mesmo a particulares (já que pode ser dirigida a estes desde que no contexto de uma relação jurídico-administrativa), sendo uma possibilidade excepcional no âmbito da execução de actos já praticados pela administração, mas que seja Dirigida a finalidade de protecção de um direito liberdade ou garantia enunciado na constituição e não só, outros direitos subjectivos análogos. Pretende-se uma decisão em tempo útil que conceda protecção acrescida justificada pela substancia do DLG  a proteger, limitando no entanto, por isso, o uso deste meio apenas as situações em que seja imediata a lesão ao exercício do direito em causa. Daqui decorre que deve haver urgência na sua utilização no caso concreto, sem a qual deveremos usar processos de tramitação normal, e que não seja suficiente o emprego de uma medida cautelar por não ser bastante uma decisão provisória ou que, em geral, não necessite de uma decisão de fundo para protecção do seu direito, ainda que a letra não seja específica neste ponto. Este meio define-se pelo seu conteúdo impositivo sendo transversal a todo o universo das relações jurídico administrativas.
A tramitação e simples e rápida e não tem custas apesar de se contíguos um processo principal, havendo uma divisão em três tip. os de processo, um para processos simples e de urgência normal, um para processos complexos de urgência normal e o ultimo que independentemente da complexidade da situação subjacente, e para situações de extrema urgência, no contexto do qual o juiz opta pelo tipo de prazos que se adequam a protecção do direito em causa. E um poder-dever deste que cumpre adaptar-se ao caso concreto e colocar o juiz como responsável directo pelo cumprimento da constituição. A sentença seguira as regras gerais de condenação, com efeito meramente devolutivo, não se admitindo a excepção de não cumprimento por grave lesão do interesse publico ,embora não seja de descartar a aceitação de uma justificação nos termos gerais do art3º, claro esta, por estarem em causa DLG.  A semelhança das anteriores intimações, as sanções pecuniárias compulsórias também aqui são admitidas.
Há sempre possibilidade de recurso das decisões que não dêem provimento a pretensão do autor, não relevando o valor da causa.

O contencioso da responsabilidade civil pública

É tristemente conhecida a história da menina de cinco anos, Agnès Blanco, que levou ao “nascimento” traumático do Contencioso Administrativo.

Estes traumas prolongaram-se à medida que o Contencioso Administrativo cresceu e se expandiu por toda a Europa, sendo que em Portugal o trauma afectou-o até 2004, manifestando-se sob o que o Professor Vasco Pereira da Silva chama de “sistema ilógico”, pois todo o sistema assentava na distinção dúbia entre gestão pública e privada que em pleno sec. XXI não encontrava qualquer sentido.

Algumas críticas que o Professor aponta a este sistema são:

A Administração Pública era vista como um poder de autoridade excepcionado do Direito Civil;

As actuações informais e técnicas não se distinguiam dos materiais que deram origem às situações da responsabilidade civil, distinguindo-se consoante os títulos de “gestão pública” ou “gestão privada”, distinção que se tornava deveras confusa por não existir uma definição conseguida destes conceitos.

O Professor ironiza que a escolha se fazia consoante se fizesse sentir “um cheirinho a direito publico” devido à definição extremamente vaga destes.

Esta ultima crítica aponta o seu foque para um outro problema pertinente – a colaboração dos privados em exercício de tarefas publicas realizadas no sector publico, gerando problemas quanto ao tribunal competente.

Em 2004 com a reforma do Contencioso administrativo parece surgir uma “nova história” em relação à responsabilidade civil pública – um “remake” que altera (teoricamente) para melhor a historia ao consagrar a unidade jurisdicional neste domínio, mas que deveria ter tido consequências imediatas no direito substantivo.

Este apenas foi conformado com o “restart” da responsabilidade civil pública em 2008, após a aprovação da Lei nº67/2007 de 31 de Dezembro que eliminou as inconsistências legislativas, fazendo surgir várias novas doutrinas e jurisprudência que atacaram os equívocos que se formaram neste período.

O nosso ordenamento jurídico limita a competência dos tribunais administrativos através a natureza das relações jurídicas em causa – condicionando-se este preceito com o art.212º,nº3 da CRP e do art.1º,nº1 do ETAF, porem, completando-se esta cláusula com uma enumeração exemplificativa que integra várias situações jurídicas susceptíveis de serem enquadradas no contencioso administrativo.

Este enquadramento encontra concretização nas disposições do art.4º,nº1,g),h), i) do ETAF.

As interpretações destes preceitos em conjunto levam-nos à conclusão de que se pretendia um regime de unidade jurisdicional não apenas na responsabilidade civil extracontratual da Administração Publica – abandonando a antiga teoria de que o critério de distinção seria a gestão pública e a gestão privada para determinar a competência.

A competência passa agora a ser exclusivamente dos tribunais administrativos.

O Prof. Vasco Pereira da Silva aprova esta unificação ao nível da jurisdição administrativa por acompanhar o art.212º,nº3 da CRP, no entanto, critica a falta de legislação substantiva que a conformasse.

O art.4º,nº1,g) veio consagrar esta uniformização jurisdicional unindo-o sob o signo da competência dos tribunais administrativos, pois anteriormente havia uma distinção da responsabilidade civil de justiça administrativa vs demais poderes do Estado, passando agora ambas a estarem unidas.

Com esta unificação passou a qualificar-se como administrativa qualquer relação de responsabilidade civil pública, independentemente de quem a tenha gerado dentro do Estado, ampliando-se assim a cláusula geral de natureza administrativa de relação jurídica pública.

Com este alargamento era necessária uma resposta do direito substantivo que seria algo mais eficaz e constitucional.

A Lei nº67/2007 de 31 de Dezembro de 2007 pressupõe a criação de um novo regime jurídico comum de responsabilidade civil extracontratual que se aplicava não só ao Estado mas a qualquer entidade na realização de funções administrativas, legislativa e judicial.

Não se inclui a responsabilidade política expressamente pois conforme o espírito do sistema esta função está incorporada na função legislativa, e porque a lista é meramente exemplificativa.

Com o art.4º,nº1,g), Diogo Freitas do Amaral, Mário Aroso de Almeida consideram que se ultrapassa por completo a anterior distinção entre “gestão pública” e “gestão privada”.

Os traumas ainda surgem com a teimosia de interpretação restritiva da responsabilidade extracontratual no âmbito da função administrativa na antiga gestão privada ou com teorias sobre a dualidade de jurisdições em que a Administração (dividindo quando a AP fosse ré utilizar-se-ia os tribunais administrativos e quando fosse autora os tribunais judiciais).

O Prof. Vasco Pereira da Silva afasta esta solução por ser contrária à solução legislativa:

·         A mesma relação não pode ter duas naturezas distintas, tal seria ilógico, ilegal para contrariar a “vontade” da reforma que consagra o princípio da unidade jurisdicional;

·         Se é uma audição que se insere na função administrativa, logo o tribunal competente para conhecer da causa independentemente da posição que a AP ocupe no litigio.

A relação jurídica neste tipo de responsabilidade torna-se administrativa a partir do momento em que se dá o toque da AP, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva.

Todo o contencioso da responsabilidade civil administrativa é do conhecimento da jurisdição administrativa.

A melhor interpretação será de que todo o universo da responsabilidade extracontratual administrativa é do conhecimento da jurisdição administrativa através de unidade jurisdicionalmente material.

Só porque a relação se inverte e é a AP que faz um pedido contra o particular, tal não torna a relação extraordinária e o direito administrativo quis conhecer de ambas as situações.

O legislador previu também a responsabilidade civil fora do domínio público em que os particulares sejam demandados através de uma acção administrativa, podendo ser feita até entre particulares – ARt.37º,nº3.

Na análise do art.4º,nº1, h) do ETAF, podemos verificar que completa o g) deste mesmo artigo, abarcando na totalidade a responsabilidade civil neste ramo do contencioso, terminando a dualidade de jurisdições e afastando as doutrinas acima apresentadas.

Por sua vez, o art.4º,nº1,i) alarga o conceito contemplando os sujeitos privados que exercem funções públicas, evitando a “fuga para o Direito privado” muito em voga no seio do Direito Administrativo nos últimos anos.

Mas será imediatamente aplicável aos particulares?

Os Prof. Mário Aroso de Almeida em consonância com o Prof. Diogo Freitas do Amaral pensam que não existindo disposições de direito substantivo que aplicam o regime específico do art.4º,nº1 do ETAF parece ficar vazio no seu alcance prático, e os tribunais administrativos esvaziados desta jurisdição.

O Prof. Vieira de Andrade discorda por considerar que a alínea d) estende a competência para abranger também os privados.

Por seu lado, o Prof. Vasco Pereira da Silva concorda com esta ultima opinião devido ao critério aberto do art.1º,nº1 do ETAF, pois quando os particulares colaborarem com a AP no exercício da função administrativa deve-lhe ser estendido esta jurisdição, seguindo o art.4º,nº1,d) quer no que se refere ao contencioso administrativo, logo aplicando-se imediatamente aos sujeitos privados.

A delimitação negativa do âmbito de jurisdição, não foi para Prof. Vasco Pereira da Silva, realizado da melhor forma pois não levou à unificação até às últimas consequências, considera que “o legislador deixou entrar pela janela, o que tentou trancar do lado de fora da porta”.

Dá como exemplo o art.4º,nº3 do ETAF em relação ao erro judiciário.

Porquê afastar a dualidade de jurisdições?

v  Afastas as dúvidas e conflitos relativos à jurisdição;

v  Afasta o critério vago de gestão publica vs gestão privada;

v  Compatibilização do diploma regulado da responsabilidade civil administrativa por actos de gestão pública e actos de gestão privada;

v  Colmatação de défices de regulação material de normas;

v  Adaptação às novas realidades socio-jurídicas de articulação de direito privado e administrativo a parcerias público-privados;











Bibliografia

“É sempre a mesma cantiga” Por  Vasco Pereira da Silva  in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol II, Edição da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2010




Providências Cautelares

   Antes da reforma do Contencioso Administrativo de 2002, que institui o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), Lei nº 15/2002 de 22 de Fevereiro, que entretanto foi alterada e republicada pela Lei 4-A/2003, encontrava-se em vigor a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85.   
   No âmbito da LPTA, e em relação ao procedimento cautelar, apenas se previa, no seu artigo 76º, a possibilidade de requerer aos Tribunais Administrativos que decretassem a suspensão da eficácia do acto administrativo. Este meio apenas poderia se accionado quando se verificassem os seguintes requisitos cumulativos:
1)A execução do acto administrativo causasse, provavelmente, prejuízo de difícil reparação para o requerente ( A jurisprudência dos Tribunais Administrativos conferia um carácter ainda mais restritivo a este preceito, visto que se julgava que seria suficiente que findo o processo o particular pudesse ser indemnizado dos seus prejuízos para que se considerasse não existir prejuízo de difícil reparação); 
2) A suspensão não causasse grave lesão do interesse público;
3) Do processo não resultassem fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso. 
  Este único meio cautelar, embora se revista de extrema importância, não era suficiente para assegurar o interesse principal subjacente ao procedimento cautelar, assegurar a utilidade da sentença final do processo principal.
   A jurisprudência dos Tribunais Administrativos, ciente da escassez de meios cautelares à disposição das partes de um processo judicial Administrativo, veio permitir, que as partes recorressem às providencias cautelares constantes do Código de Processo Civil.
Regime Geral do Procedimento Cautelar no CPTA
   O regime aplicável aos processos cautelares consta nos artigos 112º a 134 no Titulo V do CPTA.
   O artigo 112º, nº1 do CPTA estabelece que será admissível qualquer providência cautelar, desde que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo. No processo cautelar é pedido pelo autor de um processo declarativo a adopção de providencias, para impedir que durante a pendência de processo declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal modo gravosos que ponham em causa, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade da decisão que ele pretendo obter naquele processo.
   O elenco de proveniências cautelares constantes do nº2 do artigo 112º do CPTA è meramente exemplificativo.
    Nos termos do referido artigo do CPTA, as providências cautelares poderão ser:
a)Antecipatórias: aquelas que visam que certo direito seja conferido provisoriamente, pelo que constitui uma inovação na ordem jurídica preexistente.
b) Conservatórias: que se destinam a salvaguardar o status quo existente há data da interposição de procedimento cautelar, evitando assim que se produza certo efeito considerado nefasto.
    As providências cautelares, no âmbito no CPTA contêm as seguintes características:
1)    -  Instrumentalidade: As providências cautelares são instrumentais em relação ao processo principal onde são suscitadas, nos termos do artigo 113º nº2 do CPTA. Uma vez que estas existem apenas para salvaguardar a utilidade da sentença do processo principal, encontram-se assim totalmente dependentes do processo principal, como se encontra previsto no artigo 113º nº1 do CPTA, o procedimento cautelar apenas poderá ser interposto com um incidente no processo principal. Não obstante, de a providencia cautelar poder ser apresentada anteriormente ao processo principal segundo o artigo 114º nº1 do CPTA . Se isto acontecer o processo principal devera ser apresentado no respectivo prazo sob pena de a providência cautelar caducar, como previsto no artigo 123º de CPTA.
2)       - Provisoriedade ou Precariedade: As providências cautelares são por natureza provisórias, ou precárias, pois o juiz pode a todo o tempo altera-las ou revoga-las, como consta no artigo 124º do CPTA.
3)      - Summario Congnito: Devido à especial urgência que encobre as providencias cautelares o requerente apenas terá de fazer prova sumária do direito que lhe assiste, nos termos do artigo 114º nº3 alínea g) do CPTA, demonstrando com um juízo de probabilidade ou verosimilhança variável conforme o tipo de providencia que se requeira que o que fundamenta a providencia existente
     Tanto nas providencias antecipatórias como nas providencias conservatórias terá sempre de se proceder ao juízo de ponderação entre os benefícios, públicos ou privados, e os danos que resultem da sua concessão, um juízo de proporcionalidade constante no artigo  120º nº2 do CPTA. Quando os danos se mostrem superiores, de forma relevante, o Tribunal deverá recusar a concessão das providências cautelares.
   Para que uma providência cautelar possa ser decretada têm de se encontrar diversos requisitos, a serem provados mediante prova sumaria, pelo requerente. Requisitos que constam do artigo 120º do CPTA, que diversificam de intensidade consoante o tipo de providencia cautelar.
   Nas Providencias cautelares conservatórias (120º nº1 b) CPTA), o requerente terá de demonstrar que a pretensão que visa formular ou formulou, no processo principal não é manifestamente infundada e ainda que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
   Nas Providencias cautelares antecipatórias (120º nº1 c) ), o requerente ver-se-á incumbido de demonstrar que, para alem de existir um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação, que a pretensão que formulou, ou visa formular, no processo será provavelmente julgada procedente
   No artigo 120º nº1 a) CPTA, prevê-se que quando seja evidente a procedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de um acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulado ou declarado nulo, a providência devera ser adoptado pelo Tribunal. Não será assim necessário proceder ao juízo de ponderação entre os benefícios, públicos ou privados, e os danos que resultem da sua concessão. No entanto, o requerente deverá ter interesse em agir ao requerer a concessão da providência cautelar.
   A providência cautelar decretada pelo Tribunal deve limitar-se ao estritamente necessário para evitar a lesão dos interesses que visam salvaguardar, não sendo o Tribunal obrigado a decretar a providência que havia sido requerida, e caso julgue necessário, poderá decretar contra providências, como conta do artigo 120º nº3 do CPTA.
   O requerente responde pelos danos que causar, com dolo ou negligência, no requerido ou em contra -interessado.
  O artigo 131º do CPTA prevê um regime de especial importância para a protecção dos direito fundamentais. A decretação provisória da providência cautelar poderá ocorrer em dois casos:
a)        Quando o exercício de um direito, liberdade ou garantia, apenas seja possível num curto espaço de tempo, que não se coadune com o procedimento cautelar normal
b)      Quando, não obstante não se encontrarem preenchidos os requisitos anteriores, exista uma situação especial de urgência.  
       Quando estas situações ocorram devera a decisão de conceder ou não providencia se tomado de forma expedita. Porem deverá garantir-se o direito ao contraditório do requerido, excepto em casos em que a audição do requerido ponha em causa o exercício do direito.





CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO

A acção de condenação à prática de acto devido é uma modalidade de acção administrativa especial (arts. 66º e seguintes do CPTA), que se desdobra em duas modalidades consoante esteja em causa a necessidade de obter a prática de um “acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado” (art. 66º/1 CPTA). Estas modalidades de acção correspondem a dois pedidos principais: o de condenação na emissão de acto administrativo omitido; e o de condenação na produção de acto administrativo favorável ao particular, em substituição de acto desfavorável anteriormente praticado. O pedido da acção de condenação é o que se destina a obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado. Por outro lado, o acto é devido sempre que corresponda àquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, seja em consequência de uma pura omissão, seja porque o acto praticado não satisfaz a sua pretensão.
O CPTA adopta uma concepção ampla de objecto do processo, ao considerar que, tanto quando se está perante um caso de omissão ilegal, como quando se trata de um caso de acto de conteúdo negativo, “o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória” (art. 66º/2 CPTA). Além disso, o art. 70ºdo CPTA prevê a possibilidade de integrar, ainda, no objecto do processo pedidos relativos a actos de indeferimento (nº1) e de deferimento parcial (nº3) das pretensões dos particulares, que sejam praticados pela Administração na pendência do processo. De onde resulta que os poderes de pronúncia do juiz devem ir até onde os direitos dos particulares necessitados de tutela o exigirem, no âmbito da relação jurídica administrativa em causa, não se limitando o objecto do processo aos factos ou comportamentos anteriores à abertura do processo, mas abrangendo também os actos administrativos desfavoráveis, praticados na pendência da acção.
Note-se ainda que, as sentenças de condenação à prática de acto devido não podem cingir-se a cominação da prática de um acto administrativo, têm o dever de concretizar qual o âmbito e o limite das vinculações legais (art.71º/2 CPTA).
  São pressupostos da condenação à prática do acto devido: a existência de uma omissão de decisão, por parte da Administração, ou a prática de acto administrativo de conteúdo negativo; a legitimidade das partes; e, finalmente, a oportunidade do pedido.


Diogo Garcês Reis -17262

Cumulação de Pedidos


No Contencioso Administrativo é princípio a livre cumulação de pedidos, tal como decorre do artigo 4º e 47/1 do CPTA.
É possível, num mesmo processo, cumular pretensões que seriam, à partida, deduzidas em separado em diferentes formas de processo. No caso de cumulação, as mesmas terão de adoptar a forma da acção especial, cabendo ao tribunal a introdução das necessárias adaptações (artigo 31/3 do CPC e 265º-A do CPC).
No que toca à definição da hierarquia e território, artigo 21º do CPTA, contribui para assegurar a plena efectividade do princípio da livre cumulação de pedidos referido no artigo 4ºdo CPTA.
A cumulação é também possível nos casos de processos urgentes, pois não seria correcto o sistema não permitir nestes domínios, considerados relevantes, as mesmas condições que são possíveis em termos gerais. Assim, tal possibilidade vale para os processos urgentes do contencioso eleitoral e do contencioso pré-eleitoral, artigos 97º a 103º).
No domínio pré-contratual a própria estrutura das relações jurídicas justifica a cumulação de anulação do acto pré-contratual com pedido de condenação à sua substituição total ou parcial do acto praticado, artigo 47/2 a) do CPTA.
No caso de cumulação de acto pré-contratual com impugnação do próprio contrato, admite-se a cumulação a título superveniente com pedido de reparação de danos. Quando haja a cumulação de pedidos a acção a seguir é sempre a acção administrativa especial, com as devidas adaptações que visam torná-la mais célere, artigo 99º e 102º do CPTA, como referido anteriormente.
Havendo cumulação de outros pedidos, terá de ser ponderada se esta justifica uma desaceleração do processo, fazendo com que este se afaste do modelo mais célere dos artigos 99º e 102º para, por sua vez, se aproximar do modelo normal e aplicar ao processo o mesmo regime dos processos urgentes, artigo 36º e 147º do CPTA.
Porém, considera-se que no processo impugnatório do pedido de condenação da Administração à substituição do acto por outro que não padeça dos mesmos vícios, não parece justificar a necessidade de desaceleração do processo, já que as indagações irão incidir sobre os mesmos factos e aplicar-se-ão as mesmas normas.
No que concerne à cumulação da impugnação do acto pré-contratual com impugnação do próprio acto, não existe qualquer consequência na tramitação com a cumulação a título superveniente, artigo 102/4 do CPTA.
Pode ser justificada essa desaceleração no caso de cumulação de um pedido de reparação de danos, já que suscita a necessidade de indagações sobre as consequências danosas da ilegalidade que foi cometida.
A grande vantagem da cumulação de pedidos reside no facto de esta não só superar os obstáculos da diferença de competência, mas também ultrapassar, segundo Vieira de Andrade as limitações e consequências da rigidez dos meios processuais.
No caso de processo de intimidação para protecção de direitos, liberdades e garantias, artigo 109º a 111º, no artigo 110/3 admite que no caso de especial complexidade, a acção adoptada seja a administrativa especial, com prazos reduzidos a metade.
Importa fazer referência que, tal como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva, a enumeração do artigo 47/1 do CPTA é meramente exemplificativa.
Os Prof. Vasco Pereira da Silva e Teixeira de Sousa distinguem entre cumulação real e cumulação aparente: é real quando cada um dos pedidos possui uma expressão económica própria e é aparente quando digam respeito a uma única e mesma utilidade própria.
  Para haver cumulação de diferentes pedidos basta que, segundo o artigo 4º CPTA, se estabeleça uma relação de conexão que justifique a cumulação.
   A cumulação de pedidos em regra, cabe ao interessado, podendo este exercer ou não de acordo com a sua estratégia processual.
Importante é a verificação de existência de uma justificação de desaceleração do processo por parte do juiz, artigo 5º/1 do CPTA, ponderando se este deve seguir o modelo mais lento, artigo 110/3, estando vinculado aos prazos dos processos não-urgentes.
O juiz na sua ponderação deve ter em conta o risco da celeridade do processo e assim decidir pela cumulação dos pedidos ou não.
A cumulação de pedidos não é só possível no inicio do processo existindo também a cumulação sucessiva (art. 28º, 48/1 e 61º CPTA).
Um exemplo de cumulação sucessiva é o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05/08/2008 que retrata uma cumulação de pedidos de anulação ou declaração de nulidade do acto pré-contratual e do contrato que lhe suceda, dependente de uma verificação de conexão objectiva entre os pedidos, artigo 4/1 a), 4/2 d) e 47/2 c) do CPTA.
A sociedade C..., SA inconformada com o despacho saneador proferido pela Mma. Senhora Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, dele vem recorrer, e o Tribunal decide no sentido de ser possível a modificação objectiva da instância por cumulação sucessiva de pedido extensivo ao contrato cuja outorga sobrevenha na pendência da acção, uma vez tendo o objecto do processo sido inicialmente uma impugnação de acto pré-contratual, artigo 63º/2 1ªparte do CPTA.
Sendo assim, a cumulação de pedidos de anulação ou declaração de nulidade de um acto pré-contratual e do contrato, seja ab initio ou sucessiva, depende da verificação da conexão objectiva entre os pedidos, art. 4º nº 1 a) e 2d), 47º nº 2 c).

Tânia do Carmo Pardal
nº 16951

A intervenção do MP junto dos tribunais administrativos

Em virtude das simulações de julgamento que preparamos este semestre, já todos ouvimos falar da intervenção do Ministério Público. Por isso, resolvi fazer um pequeno estudo sobre a sua participação junto dos tribunais administrativos.

O art. 51.º ETAF refere genericamente as funções que o Ministério Público pode desempenhar nos tribunais administrativos. Diz o preceito que «compete ao MP representar o Estado, defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere».
1.      O Ministério Público como autor
Ora, o MP pode, desde logo, ser autor, quando propõe acções no exercício da acção pública.
Esta acção pública é exercida por entidades públicas, no exercício de um dever de ofício, e não por particulares, em defesa dos seus direitos ou interesses.
Ao MP, o CPTA confere amplos poderes para a proposição de acções nos tribunais administrativos, seja em defesa da legalidade, do interesse público, de interesses difusos ou de direitos fundamentais.
Ainda no âmbito desta acção pública, pode o MP prosseguir acções em que o autor era um particular e ela se extinguiu por desistência ou outra causa (a esse propósito, o art. 62.º CPTA).
2.      O Ministério Público como representante do Estado
Resulta do referido art. 51.º ETAF e do art. 11.º/2 CPTA que o MP também representa o Estado nas acções administrativas comuns propostas contra o Estado em matéria de responsabilidade civil ou atinente a contratos[1].
Nestes casos, o MP faz a vez de advogado do Estado, embora também aqui desempenhe uma função de defensor da legalidade[2].
3.      O MP como amicus curiae
A título de «auxiliar de justiça», o MP pode intervir, de forma imparcial, em defesa de determinados valores através de actos que contribuam para o melhor esclarecimento dos factos ou a melhor aplicação do Direito. É este o ponto que mais nos ocupará.
Assim, o art. 85.º CPTA dispõe ter o MP a possibilidade de intervir nos processos administrativos em que não seja parte.
3.1.Momentos que pode ter lugar
Esta intervenção do MP apenas tem lugar nos casos em que se verifiquem os pressupostos que o n.º 2 do artigo enuncia, a saber:
·         Quando esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais,
·         Quando esteja em causa a ofensa de um interesse público especialmente relevante ou
·         Quando esteja em causa a ofensa de qualquer dos interesses difusos a que se refere o art. 9.º/2
Esta intervenção do MP consubstancia uma intervenção em defesa da legalidade, nos termos do art. 219.º/1 CRP.
Mas não basta que exista uma qualquer ilegalidade. É exigida uma ilegalidade qualificada[3], seja pela intensidade da lesão de interesses pessoais – no primeiro caso –, pela específica razão de interesse geral que subjaz à emissão do acto ou o dever de praticá-lo – no segundo caso –, ou pela natureza dos bens ou valores co-envolvidos – no último caso.
3.2.Poderes de intervenção
O MP pode, de acordo com o disposto no art. 85.º/2 CPTA, solicitar a realização de diligências instrutórias, bem como pronunciar-se sobre o mérito da causa. Mas qualquer uma dessas intervenções é feita, como refere o preceito, «em função dos elementos que possa coligir e daqueles que venham a ser carreados para o processo», isto é, fica limitada pela natureza das questões que se colocam em cada processo, não se tratando de um dever de ofício.
Podendo coligir elementos, o MP poderá, por sua iniciativa, encetar diligências que lhe permitam uma tomada de posição mais sólida.
O MP deverá, por isso, avaliar os elementos que lhe são enviados e os que conseguir reunir a fim de decidir se a sua intervenção no processo, feita nos moldes acima descritos, se justifica.
Este juízo de oportunidade é feito pelo MP, enquanto titular da função da defesa da legalidade, não podendo ser objecto de controlo jurisdicional. Como afirma Mário Aroso de Almeida[4], «a maior ou menor amplitude da intervenção processual do MP depende, em última análise, da interpretação que os seus magistrados façam quanto à relevância dos interesses em jogo e à intensidade da lesão provocada por situações de ilegalidade administrativa».
Ao MP não cabe defender a legalidade processual. Ao contrário do que dispunha o art. 27.º/1 LPTA[5], com a revisão de 2004, deixou o MP de poder intervir pela regularização da instância. Tal resulta da letra do art. 85.º/2 CPTA, que refere unicamente a pronúncia sobre «o mérito da causa».
Parece resultar esta restrição do princípio de eficiência processual, que visa evitar decisões de forma[6].
Uma nota impõe-se quanto ao art. 85.º/4 CPTA. Permite o preceito ao MP que, nos processos impugnatórios, suscite quaisquer questões que determinem a nulidade ou a inexistência do acto impugnado, independentemente das que o autor argua na petição. Deverá considerar-se ser esta possibilidade independente dos requisitos do n.º 2 do mesmo artigo, de modo a não estar esta intervenção do MP sujeita à ponderação dos interesses aí prevista. Ao contrário do n.º 3, que permite que o MP invoque causas de invalidade diversas das arguidas «para o efeito do disposto no número anterior», essa restrição não é feita no n.º 4.
3.3.O momento da intervenção
A intervenção do MP passou a ter lugar num único momento processual, imediatamente depois da «junção do processo administrativo aos autos, ou, não tendo esta lugar, da apresentação das contestações», nos termos do art. 85.º/5 CPTA.
No entanto, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira[7] admitem a notificação ao MP dos articulados supervenientes (art. 86.º CPTA).
E parecer fazer sentido permitir-se uma intervenção do MP após os articulados e à junção do processo administrativo. Ela permite tanto um parecer de mérito do MP mais consistente, por melhor conhecedor da realidade sub judice, como o contraditório das partes relativamente à sua posição.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não tem visto com bons olhos a participação do MP em juízo, pois considerou-a já violadora do art. 6.º CEDH[8].
Depois disso, o TC já se pronunciou em sentido aproximado, ao considerar a intervenção do MP nas sessões de julgamento do STA como violadoras do art. 20.º/4 CRP (norma correspondente ao referido art. 6.º/1 CEDH).
Diz-se, pois, no Ac. TC n.º 345/99, de 15 de Junho, que «quanto ao artigo 15º[9] do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 299/96 de 29 de Novembro, há que julgá-lo inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 20º da Constituição, uma vez que não permite às partes tomar conhecimento e discutir qualquer elemento da intervenção do Ministério Público no processo que possa influenciar a decisão.»
Não parece ser de temer a intervenção do Ministério Público, sempre que feita de forma transparente e em moldes que assegurem o contraditório.
Nessa medida, o seu parecer deve ser notificado às partes para que elas possam sobre ele pronunciar-se[10], podendo a resposta ter lugar na fase das alegações e, se a elas não houver lugar (arts. 78.º/4 e 83.º/2 CPTA), em novo articulado que deve ser admitido[11].
Como garante da legalidade material, só intervindo depois de juntos todos os articulados e depois dos fundamentos novos invocados na fase de alegações é que o MP pode desempenhar cabalmente as suas funções.
Só assim pode assegurar-se a verdadeira e própria função do MP que, neste caso, não representa o Estado, mas visa assegurar a legalidade, em cumprimento das funções que lhe são constitucionalmente cometidas – art. 219.º/1, CRP, que determina ser sua função, além da representação do Estado, a defesa «dos interesses que a lei determinar».
Ademais, parece ser tal solução imposta pela dinâmica do processo e pelo princípio da cooperação processual. Quando emita parecer sobre o mérito da causa, o MP deve ser ouvido sobre as novas incidências processuais que possam vir a interferir na posição por si anteriormente defendida, sob pena de ficar a sua intervenção inicial despida de qualquer utilidade[12].
4.      Conclusões
O MP detém diversas funções em processo administrativo. Se, como autor e como representante do Estado, não se levantam muitas dúvidas quanto à sua intervenção, tal já não acontecerá quanto à sua função de auxiliar da justiça, enquanto garante da legalidade material.
Mas parece ser este papel da maior importância pois, enquanto garante da legalidade e atendendo aos interesses em causa, o seu parecer, contanto que sujeito ao contraditório, no respeito pelo princípio do Estado de Direito democrático, pode ser do maior relevo para uma boa decisão de mérito o que, em última instância, é o objectivo do sistema judicial.


[1] Porém, se a questão relativa a matéria contratual ou de responsabilidade for, contudo, cumulada em acção administrativa especial no âmbito da qual seja deduzido um pedido dirigido contra um órgão ministerial no exercício de poderes de autoridade, a legitimidade é do Ministério e não do Estado, não cabendo já o patrocínio ao MP. Mário Aroso de Almeida retira esta conclusão do facto de resultar da «formulação restritiva do art. 51.º ETAF que ao MP não incumbe representar qualquer outra entidade que não o Estado». (Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, p. 64)
[2] Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9.ª ed., Almedina, 2008, p. 154
[3] Mário Aroso de Ameida, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Almedina, 2010, p. 555.
[4] Mário Aroso de Ameida, Comentário …, op. cit., p. 556.
[5] Que dispunha «Salvo nos recursos que interponha em defesa da legalidade, pode o Ministério Público, mediante vista dos autos ou, nos demais casos, em requerimento:
a) Suscitar a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao prosseguimento do recurso e pronunciar-se sobre questões que não tenha suscitada;
b) Promover diligências de instrução;
c) Emitir parecer sobre a decisão final a proferir;
d) Arguir vícios não invocados pelo recorrente;
e) Requerer, assumindo a posição de recorrente, o prosseguimento de recurso interposto durante o prazo em que podia impugnar o respectivo acto, para julgamento não abrangido em decisão, ainda não transitada, que tenha posto termo ao recurso por desistência ou outro fundamento impeditivo do conhecimento do seu objecto.»
[6] Mário Aroso de Ameida, Comentário …, op. cit., p. 556.
[7] Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Coimbra, 2006, p. 509
[8] Nesse sentido, Acórdão Lobo Machado, Recueil des Arrêts et Décisions, n.º 3, 1996-I, onde o tribunal considerou ser violadora do art. 6.º CEDH a intervenção do Ministério Público no processo laboral, quer dando pareceres que não eram conhecidos pelas partes quer estando presente quando o Supremo Tribunal de Justiça deliberava.
[9] A disposição da LPTA que permitia essa intervenção.
[10] Solução que, de resto, é consagrada no âmbito do recurso jurisdicional – art. 146.º/2 CPTA.
[11] No entanto, o parecer não abre uma fase autónoma de discussão da causa, pelo que apenas poderão as partes, na parte em que o parecer do MP as afectar, rebater os argumentos nele contidos, não havendo lugar a uma contra-resposta pela parte contrária.
[12] Mário Aroso de Ameida, Comentário …, op. cit., p. 560.